quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Você já ouviu falar da teoria do gato?

AMIGO: Ciça, você já ouviu falar da teoria do gato?

CECÍLIA: Não. (Desinteressada)

(trecho do curta metragem Haller.).


Coloca-se dentro de uma caixa: um gato, um átomo radioativo, um contador Geiger, um martelo e uma garrafa de gás venenoso. Todo este aparato compõe uma armadilha e o tal bichano será sua principal vítima. É uma simples reação em cadeia.
A teoria quântica nos diz que o material radioativo tem 50% de chances de ativar o contador Geiger. Este, por sua vez, assim que ativado, liberaria o martelo para que a garrafa contendo veneno fosse quebrada. Uma vez quebrada a garrafa, o gato irremediavelmente morreria.
No entanto, existem outros 50% de chances que nos levam a um caminho completamente inverso. O átomo não ativaria o contador e este não liberaria o martelo. A garrafa com o gás venenoso não se quebraria e, por esse motivo, o gato continuaria vivo.
(Este é o experimento de Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger, prêmio Nobel de 1933).

Esta experiência é a demonstração do pensamento científico, e apresenta a necessidade da observação para que o fato ocorra realmente. Da mesma forma, um lenço vermelho só tem essa cor quando o observamos, e a luz refletida pode entrar em nossos olhos e ser, de fato, vermelha. O Gato de Schoringer, como está dentro da caixa, não pode ser visto. Então tudo o que resta aos pesquisadores é a estatística, a probabilidade. Enquanto não se pode abrir a caixa para se saber a “verdade” sobre o pobre gato, não se pode concluir nada além de que ele está tanto vivo quanto morto.
Ainda sobre o átomo dentro da caixa, ele muda rapidamente do estado integrado para o desintegrado. Quando um pesquisador decide saber qual o estado do átomo, ele toma uma forma, naquele e tão somente naquele momento: desintegrado ou integrado. Ele pode mudar de estado no próximo milionésimo de segundo, mas o que interessa ao cientista é o estado no primeiro momento possível depois da observação. Enquanto ele não descobre, o átomo ainda está possivelmente nos dois estados. E mais: quando o pesquisador consegue perceber qualquer um dos dois estados, a outra possibilidade é dizimada. O átomo, que antes era coberto de possibilidades, passa a estar, a partir daquele momento, no estado em que o cientista o descobriu.
Assim ocorre com Cecília: ela começa cheia de possibilidades e dúvidas sobre si mesma. Ela começa como uma incógnita, mas quando observada pelo investigador, passa a assumir tão somente a forma que foi conveniente a ele, segundo suas conclusões profissionais e confiáveis por parte da sociedade. Enfim, ela deixa de ser um átomo com diversas possibilidades e passa a ser um átomo catalogado e definido.

O gato de Cheshire, sorridente bichano do livro “Alice’s adventures in Wonderland” de Lewis Carroll, é por si só uma crítica a este pensamento positivista. Quando perguntado por Alice como saberia ser ele próprio um louco, o Gato responde:
“Para começar, um cachorro não é louco. Admite isto?”.
E Alice concorda:
“Suponho que sim”.
E o Gato:
“Bem, então, veja só: um cachorro rosna quando está bravo, e balança o rabo quando está satisfeito. Agora, eu rosno quando estou satisfeito e balanço o rabo quando estou bravo. Portanto, sou louco”.
Ou seja, o próprio gato elabora uma teoria sobre si mesmo, utilizando-se da lógica, e ao constatarmos a tortuosidade do nexo de sua fala, entendemos que as conclusões científicas das mais respeitosas autoridades podem ser altamente duvidosas.

Além disso, o gato de Cheshire diversas vezes é capaz de sumir e deixar apenas o seu sorriso. Alice fica espantada com essa capacidade:
“Bem, eu já vi algumas vezes um gato seu um sorriso (...), mas um sorriso sem um gato?! Esta é a coisa mais curiosa que já vi em toda a minha vida!”
Seria possível, então, que um predicado acontecesse sem um sujeito? Que um sorriso existisse sozinho, apenas esperando que alguém o colha, e o incorpore? Essa discussão serviu por anos e ainda serve à matemática pura. Mas nós, com o Haller, levamos esta questão a um nível mais prático e mais cotidiano: seria possível que predicados como promíscuo, bonito, criminoso, inteligente, trabalhador estejam pairando na atmosfera esperando apenas que os indivíduos o englobem para si? Será que, ao invés de realizar uma busca interior e descobrir o que se tem de verdadeiro, as pessoas procuram a si mesmas no ambiente externo, talvez em revistas, propagandas, documentários, filmes e reportagens?
Perdida no país das maravilhas, Alice diz ao Gato de Cheshire:
“Você poderia me dizer, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?”.
“Isto depende bastante de onde você quer chegar (...)”.
“Eu não me importo muito com isso (...)”.
“Então não importa muito que caminho você irá tomar.”

Cecília, então, toma o caminho que se apresentou a ela através de todos os “sinais” que ela interiorizou e apropriou-se, colhendo seus predicados ao longo do caminho, e descobriu sua própria verdade. Assim como o fez o investigador. Desde que todos sintam que está tudo resolvido, ótimo. Desde que todos tenham a mesma conclusão a respeito do gato na caixa preta, tudo está perfeitamente em harmonia. Desde que alguém seja responsabilizado por um crime, e seja punido por isso, o sistema funciona.

“Mas ainda bem que ela foi presa!”

(Mãe preocupada assistindo ao jornal do canal 12. Cena do curta metragem Haller).




Nenhum comentário: