quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Cecília



Filha de uma família tradicional, cheia de valores, mas as incertezas da mãe e a negligência do pai deixaram um vazio dentro dela, quanto aos valores. A dúvida sempre cercou a sua vida, quanto ao amor do pai, quanto à mãe (se ela é feliz, se se orgulha dela, se ela está certa do que diz e acredita).
Cresceu na sociedade de classe média, o resto da família distante, viveu mudando de casa e de escola, não possui amigos de infância. Tenta ser uma pessoa sincera e equilibrada, mas não consegue conversar direito com as pessoas, se fazer entender, não confia nas pessoas, mas não as vê com muita malícia.
Aparentemente vive numa constância psicológica, sempre incerta e misteriosa, mas sua cabeça é confusa e muda de opinião e humor o tempo todo. Transmite o mesmo desespero da mãe através de seus gestos, embora também pareça não se importar com nada. O fato é que ela muda de prioridades, assim como muda de idéias, o tempo todo.

Às vezes à noite, antes de dormir, sente uma agonia tão sufocante que lhe falta ar, sente-se imersa no desespero e no nada. Detesta a escuridão total, pois nela você pode abrir e fechar os olhos sem sentir a diferença, como se o tudo e o nada fossem a mesma coisa. Eternamente perdida entre a fome e a indigestão.
Assistiu muita Tv e leu muito na adolescência, possui uma imaginação fértil, quase incontrolável. Fantasia toda uma vida que nunca acontece, tem medo de terminar as coisas, deixa tudo pela metade, até mesmo seus discursos e frases. Segue uma vida aparentemente bem sucedida: fez faculdade. de Administração em uma boa Universidade, tem um emprego que promete um caminho de sucesso (não que ela o siga, as coisas em sua vida aconteceram meio sem querer, e ela não sente que qualquer rumo que sua vida tenha tomado tenha sido conseqüência de seus atos). Nunca se empenhou em nada, poderia largar tudo o que tem, não larga por falta de coisa melhor. Não tem certeza de nada. Sente que a cada instante, após ter dito algo muito pertinente, esse algo se torna ridiculamente vazio e incoerente. É uma pessoa de fácil sociabilidade, às vezes distante e tímida.

Deitada no chão de seu quarto, sente cada pedaço de si esvair-se, correr pelo chão, flui como um líquido sugado de fora pra dentro. Esvai, esvazia, como aguardente rasgando suas veias, levando consigo a sua força, todo o sentido da forma, deixando somente o contorno de tudo, inundando seus olhos, as gavetas que já não mantinham seu ser, abandona a esmo tudo que é fato e tudo que é feito. Como se tudo fosse feito da mesma coisa, da única coisa que nos faltou significar. Mas os limites da razão não lhe permitem explicar-se, exprimir-se.
Quando o crime acontece, ela se volta para si, pensa sobre quem ela é, fica confusa quanto a tudo, essa confusão gera desconfiança por parte de todos, começam a suspeitar dela. As suspeitas dos outros e as suas próprias dúvidas mexem com as lembranças (sobre quem ela é e o que ela fez). Ela acaba por assumir a assassina, cria em sua cabeça um pretexto, uma personalidade. Essa identidade dá a ela uma certeza e uma segurança nunca antes experimentadas, e isso se refletirá em tudo. De repente tudo tem seu nome e seu lugar...

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