“Mas menina, como você cresceu! Quando te conheci, você era só um projetinho de gente!”... Mas que raiva que dava quando uma tia daquelas vinha apertar as minhas bochechas e dizer o quanto eu estava crescida. “Uma mocinha”, dizia, com a maior emoção do mundo, umas chegavam a mostrar indignação com aquilo, como se eu fosse a primeira criança a crescer e me tornar adulta. Ou quase.
E, depois de indubitavelmente adulta, não me param mais na rua para apertar minhas bochechas, enquanto olho as vitrines e nem faço idéia de por onde ando, já que minha mãe segura em minha mão. Agora, as frases do mundo adulto pairam sobre minha cabeça como novidades, mesmo que todos os macacos velhos já estejam carecas de saber. “Fazer esse filme foi como um parto!” diz um diretor num evento qualquer, levando tapinhas nas costas de seus colegas. “É como se fosse meu filho”diz o roteirista, num canto, tomando sua caipirinha. E essas frases nunca fizeram sentido pra mim, e eu me revoltava contra elas com a fúria de quem nunca foi covarde como um adulto que se preze.
Até o dia 13 de agosto. Quando vi minha criança inocente nas mãos de várias pessoas que eu ainda não conhecia (E mesmo as que eu conhecia, que direito tinham elas?), tive a primeira reação de toda mãe de primeira viagem: Ciúme.Exagerando,acho que tive até uma depressão pós parto (ou depressão pós finalização de roteiro, se preferirem). Entretanto, quando reconheci, feliz, os rostos das pessoas que estavam no bar quando a Cecília chega no Happy hour, entendi. Meu menino estava crescendo. Nosso roteiro não era mais aquele projetinho inocente que mudava de rumo assim que nós, suas mães, bem quiséssemos. Ele agora era influenciado pela criatividade e trabalho duro de outras pessoas, e não mais tinha a forma apenas de nossa imaginação, mas das conseqüências da vida (Quais locações serão possíveis? Quais equipamentos estarão disponíveis?).
Depois do ciúme, a emoção. Sim, sim, a clássica emoção que as mães sentem quando percebem que suas filhas têm namoradinhos e seus filhos escondem playboys embaixo da cama. Outras pessoas agora terão, junto comigo, a responsabilidade sobre meu filho. E foi naqueles dias de teste de câmera que, pela primeira vez, vi o roteiro se tornar realidade.
No estúdio do Instituto de Artes, sentada do lado da câmera, vendo os atores. Do meu lado, Raissa super séria olhando pro vídeo. As luzes estão corretas? Lílian, aproveita que você é branca desse jeito e senta ali pra eu balancear o branco da câmera. Ha ha. As meninas da arte tirando fotos e medidas. Os atores.... ah! Os atores. Eu amo essa raça, já disse uma vez Romeu di Sessa.É verdade. Eles são, por um determinado momento, aquelas pessoas que por meses estavam apenas em suas idéias. Existe responsabilidade maior do que essa?
No primeiro dia, fizemos os testes para as pessoas do Bar, e quando o Bernardo começou a falar, eu logo tive certeza de que ele era o cara engraçado do escritório. Quando testamos os atores para policiais, vimos que a morte pode ser encarada de uma forma cômica. (o que nós, maldosas roteiristas, nunca imaginamos). O teste do mendigo foi o mais rico e divertido: um mendigo tarado, um alemão e dois diferentemente malucos entraram em cena. Tive vontade de fazer um filme só com mendigos doidos e tarados.
No segundo dia, a Cecília nos foi apresentada, e foi engraçado conversar com ela tão formal e educadamente: Olá, tudo bom? Meu nome é Lílian, serei sua diretora de elenco. Agora vai lá e mostra o quanto você é sem graça e sem opinião própria. Ha Ha Ha. Tá , eu sei que a Fernandinha não é a Cecília de verdade. Mas pra mim, a Cecília nunca vai deixar de ser uma parte íntima e secreta de todos nós (Caso o leitor se sinta ofendido em ser comparado com a Cecília, fico feliz em discutir essa questão, a qualquer hora, neste mesmo blog).
Quando o Eduardo Bearzoti começou seu teste, eu fechei os olhos e ouvi pela primeira vez o mesmo pai que tinha ouvido todos aqueles meses em minha cabeça: a mesma entonação, a mesma incompreensão, o mesmo marasmo. É, de fato meu roteiro estava tomando corpo.
A Fabi,que faria a mãe da Cecília, veio de São Paulo e acabou se atrasando, quando chegou e eu disse que queria que ela fizesse outra fala que não a que ela vinha ensaiando durante todos os dias anteriores...hahahaha... Mesmo assim, ela fez o teste e mostrou toda a qualidade de seu trabalho e de sua personalidade. Depois do teste, tomamos um café e conversar com ela me fez leve e feliz por todo o trabalho com o Haller.
Assim, eu ainda poderia escrever muito sobre todas as experiências do Haller. Mas vou guardar isso para daqui a uns 50 anos, e quem sabe o leitor me encontre em alguma fila do banco, e eu diga o quanto antigamente era mais feliz, mais bonito e mais difícil. Mas agora, eu ainda estou engatinhando na arte de entender o saudosismo dos pais de primeira viagem.
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